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Princípios Constitucionais da Seguridade Social
SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A princípio, é importante destacar o papel da seguridade social no Brasil, antes de adentrar no benefício em espécie, aqueles que já estamos acostumados a mencionar, como: aposentadoria, pensão por morte, salário-maternidade, auxílio-reclusão, auxílio-doença e benefício assistencial.
O objetivo deste artigo é demonstrar a estrutura do sistema de seguridade social, em poucas linhas, de uma forma simples e objetiva e sem a intenção de esgotar o tema.
Dessa forma, partindo do início de sua existência, verifica-se que a Constituição de 1988 inovou com a criação de um programa sócio-político próprio para a formação e organização de um sistema autônomo e universal com a denominação de Seguridade Social.
O programa está previsto no Título VIII: Da Ordem Social, Capitulo II: Da Seguridade Social, compreendidos entre os artigos 194 a 204. Pelo Ordenamento Jurídico Constitucional a Seguridade Social é dividida em três espécies: Previdência Social, Saúde e Assistência Social.
A Seguridade é elemento nuclear para manutenção e desenvolvimento da dignidade da pessoa humana para garantia do mínimo de bem-estar nas situações em que há risco social[1]. Percebe-se do texto constitucional que, embora a Seguridade seja dividida em espécie, ela não atua separadamente uma da outra, mas em conjunto para um único fim: o bem-estar e justiça social. Note-se ainda que no Brasil o conceito de Seguridade é amplo, tendo um caráter universalista, com o fim de proteger a sociedade dos riscos de indigência e miséria baseado no conceito de solidariedade.
De acordo com o artigo 194 da C.F., a seguridade social é definida como “um conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social.”
Depreende-se do conceito acima que trata-se de um conjunto integrado de ações de iniciativa do Poder Público e da sociedade a fim de assegurar os direitos relativos a saúde, previdência e assistência social.
Princípios Constitucionais da Seguridade Social
No ordenamento jurídico os princípios são proposições que se formam na sociedade e servem de base para reprodução das normas. No que se refere a Seguridade Social a CF/1988, elenca como princípios constitucionais a solidariedade, universalidade de cobertura do atendimento, Uniformidade e Equivalência dos benefícios e serviços entre as populações urbanas e rurais, Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços, Irredutibilidade do valor dos benefícios, Equidade na forma de participação do custeio, diversidade da base de financiamento e caráter democrático e descentralizado da administração.
Os princípios constitucionais da seguridade social são vistos como objetivos que devem ser observados pelo Poder Público na organização do sistema. Assim, nem todos os princípios elencados são aplicados a assistência social, mas cada um é aplicado, especificamente, a uma determinada área da seguridade.
Esses princípios caracterizam-se pela generalidade de suas disposições e seu conteúdo faz referência aos valores que o sistema visa proteger. Fundamentam a ordem jurídica, orientam o trabalho de interpretação das normas e, quando há omissão da lei servem como fontes do direito. São ainda chamados de setoriais porque aplicáveis apenas à seguridade, com exceção da solidariedade.
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Princípio da solidariedade
O princípio da solidariedade é aplicado em todos os ramos da seguridade social. Aliás, todo o sistema encontra-se amparado na solidariedade. No entanto, ele não se resume apenas em orientar a seguridade, mas está consubstanciado no objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, consoante observa-se do art. 3º, I C.F.
O princípio da solidariedade encontra suas raízes na teoria cristã de amar o próximo como a si mesmo. Só existe preservação da espécie se houver solidariedade, caridade. Assim, a religião trouxe um novo significado de pessoa, qual seja a noção de subsistência de um ser espiritual consciente de si mesmo e nos revelou, teologicamente, que a expressão mais importante da consciência de nós mesmos e da espiritualidade que nos diferencia dos animais irracionais, é o amor. São Tomaz de Aquino nos revela que a caridade para com Deus e a caridade para com o próximo são uma só virtude: a virtude da caridade.[2]
No plano jurídico, buscou-se revelar essa atitude como o espírito que deve orientar o sistema jurídico. Na verdade, a solidariedade não deveria encontrar nos objetivos fundamentais da C.F., mas no seu próprio fundamento, pois a comunidade somente subsiste se houver um mínimo de solidariedade, e esta, com senso de justiça. Haverá aplicação justa da solidariedade no aspecto jurídico se houver conhecimento real da situação social e econômica.
A solidariedade da seguridade social obriga que a sociedade contribua com parte de seu patrimônio para o sustento do regime protetivo, quer seja saúde, previdência ou assistência social, mesmo que nunca venham a utilizar de seus serviços. Assim na saúde, os serviços serão prestados a todos indistintamente, independentemente de pagamento de qualquer taxa. Os recursos provem do Estado, recolhidos por meio de impostos. Já na Previdência, a solidariedade encontra-se na obrigação dos contribuintes continuarem recolhendo suas contribuições mesmo depois de aposentados, como é o caso dos aposentados que continuam trabalhando mas devem continuar contribuindo para a previdência, mesmo que não a utilize. Na assistência social, a solidariedade serve aqueles que necessitam das prestações do Estado e que tenham renda mínima e insuficiente para gerir a própria subsistência, ou seja, que se encontram em extrema necessidade.
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Universalidade da cobertura e do atendimento
O artigo 194, § único, I da C.F/88, prega a universalidade da cobertura do atendimento, significando que todos devem estar cobertos pela proteção social. Desta forma, o princípio em comento implica que a saúde e a assistência social estão à disposição daqueles que delas necessitem. Já a previdência é regime contributivo de filiação obrigatória para os que exercem atividade remunerada. No entanto, a legislação previdenciária, em cumprimento ao princípio da universalidade, facultou que as pessoas que não exercem atividade remunerada possam também fazer parte da previdência, como facultativo.
O princípio em destaque garante a todo nacional o mínimo indispensável à sobrevivência com dignidade, destacando-se ainda o respeito a igualdade, pois, necessitando, não poderá haver excluídos do sistema.
Conforme se extrai do texto constitucional, a universalidade divide-se em universalidade de cobertura e de atendimento. Pela universalidade de cobertura subtende-se que deve haver cobertura quando há riscos e indenizações previamente definidas, assim como prevenções, proteção e recuperação para os que necessitem. Este é o caráter objetivo do princípio.
Por outro lado, a cobertura de atendimento refere-se que a seguridade deve ter atendimento em todo o território nacional, reservando a todos o direito subjetivo da proteção social. Trata-se do caráter subjetivo deste princípio.
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Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços entre as populações urbanas e rurais
A Constituição Federal de 88 igualou os direitos das populações urbanas e rurais. Assim, deste princípio depreende que não há mais diferenças entre o trabalhador urbano e rural. Este último, antes de vigorar a atual Carta Magna, recebia benefícios inferiores ao salário mínimo. Isso implica na igualdade de acesso as prestações da Seguridade Social, atingindo o aspecto financeiro e econômico das prestações.
O princípio em comento atinge os três ramos da Seguridade Social e está expresso no art. 4º da Lei 8742/1993 (LOAS), quando estabelece igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo equivalência entre os trabalhadores urbanos e rurais.
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Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços
Por seletividade compreende que as prestações dos benefícios e serviços serão prestadas apenas a quem delas realmente necessitar, devendo obedecer aos critérios legais. Ainda é pela seletividade que se busca avaliar as contingencias e a vulnerabilidade bem como a condição de miserabilidade de cada pessoa, colocando em risco a sua dignidade.
Neste sentido atende ao disposto no art. 203, V da Constituição Federal quando garante um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Segundo o doutrinado Ivan Kertzman, este ensina que a seletividade se contrapõe a universalidade, sendo que um ameniza o outro, trazendo equilíbrio aos benefícios pretendidos:
“... a seletividade serve de contrapeso ao princípio da universalidade da cobertura, pois, se, de um lado, a previdência precisa cobrir todos os riscos sociais, por outro, os recursos não são ilimitados, impondo à administração pública a seleção dos benefícios e serviços a serem prestados. É o chamado princípio da reserva do possível.” – IVAN KERTZMAN – Curso Prático de direito Previdenciário. 5ª Ed.editora Jus Podivm – 2008. Salvador, p. 29
A distributividade não é diferente da seletividade. Ambas se completam. Enquanto esta seleciona os necessitados, aquela distribui renda segundo as ordens do legislador. A distributividade só ocorre depois da seletividade, aplicando-se efetivamente àqueles que se encontram em risco social.
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Irredutibilidade do valor dos benefícios
O princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios está disposto no art 194, § único, IV da C.F., de onde se depreende que os benefícios, uma vez concedidos, não podem sofrer redução. No entanto o princípio não garante apenas a irredutibilidade, mas a manutenção de seu valor real face os índices inflacionários. Ainda o art. 201, § 4º da Constituição Federal expressamente afirma que é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente o seu real valor, conforme critérios definidos em lei. Obviamente que na realidade esse artigo não se aplica.
Além disso, determina o art. 58 do ADCT que os benefícios de prestação continuada terão seus valores revistos para manutenção do mesmo poder aquisitivo que tinham na data de sua concessão.
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Equidade na forma de participação do custeio
A equidade se dá por meio de contribuições, levando-se em conta a capacidade de cada contribuinte. Aqueles que detém mais condições econômicas contribuem com um maior valor. Essa condição faz-se necessária para que o sistema da seguridade se mantenha vivo e operante. Segundo as palavras de Ivan Kertzman as contribuições sociais devem ser criadas, atendendo-se para este princípio, que satisfaz os três grupos da seguridade social.
“Equidade, em bem apertada síntese, significa justiça no caso concreto. Logo, deve-se cobrar mais contribuições de quem tem maior capacidade de pagamento para que se possa beneficiar os que não possuem as mesmas condições. Este princípio está alinhando ao da distributividade na prestação dos benefícios e serviços, pois as contribuições devem ser arrecadadas de quem tenha maior capacidade contributiva para ser distribuída para quem mais necessita.”
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Diversidade da base de financiamento
A Constituição dispõe que as contribuições para a seguridade social devem buscar diversidade de fontes. Desta forma deixa de ser tríplice a forma de custeio, conforme era previsto na Constituição de 1934, que dispunha que os benefícios seriam financiados pelos empregadores, empregados e Estado. Diante disso estabelece a norma superior que toda a sociedade de forma direta (contribuições) e de forma indireta (orçamento fiscal) contribui para o sistema de seguridade social.
O art. 195 da C.F. estabelece a seguridade social será financiada por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, além das seguintes contribuições sociais, sendo que da empresa e do empregador recai sobre: a) folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados a qualquer título, a pessoa física que lhe preste serviços, mesmo sem qualquer vínculo; b) receita ou faturamento; c) lucro.
Além disso são exigidas contribuições dos trabalhadores e demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre pensão e aposentadoria concedida pelo RGPS (art. 195, II C.F.).
Ademais incide contribuições sobre receitas de concursos de prognósticos (art. 195, III C.F.) e sobre o importador de bens e serviços do exterior ou a quem este se equiparar (art. 195, IV C.F.).
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Caráter democrático e descentralizado da administração
O caráter democrático implica que a seguridade social deve ser administrada com participação de todos os órgãos da sociedade, mediante gestão quadripartite nos órgãos colegiados, compreendendo os trabalhadores, os empregadores, os aposentados e do Governo.
Para atender a esse princípio foram criados os seguintes órgãos: CNPS – Conselho Nacional da Previdência Social, CNAS – Conselho Nacional da Assistência Social, CPS – Conselho da Previdência Complementar, CGPS – Conselho de Gestão da Previdência Social e SUS – Sistema Único de Saúde.
Em todos esses órgãos possui representantes do governo e da sociedade civil, com administração descentralizada.
São essas as principais considerações sobre seguridade social, de onde se conclui que o direito previdenciário é uma ciência que estuda todo sistema, mas tem como foco principal disciplinar as relações jurídicas oriundas da Previdência Social regidas pelo RGPS, incluindo os benefícios em espécie, custeio, bem como a previdência complementar e as que são devidas pelo regime próprio.
Daniela Aparecida Rodrigues
OAB/PR: 65.231
[1] Segundo Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro, entende-se por risco social o evento futuro, incerto e involuntário, que produzirá consequências econômicas. In Direito Previdenciário Esquematizado. Pg. 25
[2] A Filosofia Moral de São Thomas de Aquino, pgs. 340-341, traduzida por A.D. Sertillanges